Bom dia, doce ventania. Digo, Senhor Ventilador, como eu fui
dormir tanto?
Não vale mesmo lhe apelidar. É bom que permaneçamos na farsa
social enquanto você finge espantar algum calor aí de cima. Eu aqui embaixo
deitada na mesa não faço questão de ter modos.
Mantenho-me geograficamente afastada, no entanto. Para que
um dia você se canse de tentar disfarçar.
A sua brisa é úmida. É um bocado de vontade meio salgada que
não dá pra segurar.
As suas voltas quase param. Pra me observar. Você fica mais
bonito tentando ponderar círculos espirais. Que tomba pra um lado e pra outro.
Nesse longo tempo adormecida eu quase cansei de sonhar. Dava
até pra gente se tocar. Quando em sonho, girar.
Mas se eu agarro uma de suas hélices na rotação é mais um
teatro de loucura. Bom e frágil; bem a tempo de acabar.
Então eu acordei. Esperando um liquidificador.
Nem pense em fugir. A culpa é sua desse vai e vem na minha
barriga. Eu vou parir essa sensação de centrifugar imóvel. Eu vou dar a luz aqui estirada em frente a você.
Talvez você
entenda tudo como uma obra de arte inspirado pelos contornos arquitetônicos da
sua aerodinâmica. Mas é só um filho.
Um filho que a gente não vai ter o trabalho de educar.
E se você pedir, eu volto a sonhar. E a gente finge que não há
nada no ar.
bonito demais!
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