30 de abril de 2010

Abre a cortina.

Sabe, eu estou amando. Estou tão enfeitiçada que as piores preocupações são agora as maiores piadas. Eu vou te seguindo, insana, com o brilho no olhar que me é peculiar, que pra ti fica tão visível. Deixando pra trás a minha vida, pra no próximo passo ser a nossa vida.

Melhor, você me ama também. Não fugimos desse sentimento-catástrofe, nem deixamos de ter medo. Quando em ti, sou maior. Quando em mim, sou só sua. E no estalo dos nossos toques eu me confronto, descubro quem sou, do que gosto. Passam rápido os nossos beijos, voam as nossas noites de amor.

Como ontem. Despertei ofegante sem estar mesmo adormecida. A minha transpiração fazia jus a entrega, ao destempero do drama entre dois amantes. Olhei pro teto enquanto descansávamos um do outro e vi os refletores apagados. Comecei a perceber novamente os sons da rua, a chuva de mansinho, minha panturrilha dormente.

Depois tu me tomas de novo, como sempre. Te direi logo que já pensei muitas vezes em lhe deixar, procurar uns meninos. Mas eu sei que a melhor coisa da vida é o tempo que espero calada pra entrar em cena. Pra nos encontrarmos.

Só você me repara, só você me educa, me enlouquece, me agoniza, me maltrata, me faz viva. Depois, todo mundo aplaude. E a gente se ama de novo, Teatro.
* eu não revelaria mesmo os meus amantes. até porque são só amantes

16 de abril de 2010

Amo e amo



Entenda que eu te darei outro sintoma:
Quando você se faz em dois
Um que esqueceu o limite entre a sanidade e a loucura
E pula de um lado pro outro
Divergindo em maiores alegrias e piores dores
Querendo acreditar que aquele é seu maior amor do momento

Pior que é

Outro que é menos você, justamente porque tem razão;
Mas que é cúmplice daquele que ama
Te proíbe de falar o que pensa
Nem te deixa olhar que nem bobo quando o seu benzinho fala sem parar
Quer apagar o vermelho das tuas bochechas
Conter os corpos que se querem feito um grito

Só o coração sente
Tentando falar em dupla, precisando falar de pressa

11 de abril de 2010

Cameu , Proseu e a pedra



Proseu e Cameu eram inseparáveis desde meninos. Estudavam juntos, tocavam juntos e aproveitavam o resto da semana juntos também. Como no primeiro sábado do mês, quando acordavam cedinho pra ir explorar o bosque atrás da vila onde Proseu morava.

Lá era uma imensidão. Tinha riacho e cachoeira, lagarto, cobra, limo nas pedras, uns jardins de flores bonitas misturados com umas árvores altas, com casa de marimbondo lá no topo. Tinha vez que eles só tomavam banho de rio. Aos sete anos, quando começaram a fugir pra lá, passavam dias catando gravetos pra construir uma casa da árvore. Nunca conseguiram terminá-la, daí o abrigo ficava sendo uma figueira que tinha bem no meio do caminho.

Quando fizeram nove anos sumiram por uns meses, a grama ficou alta. Depois voltaram com dez trazendo inspirações como a Ilha Perdida e o poster do Dennis. Com doze a diversão era a coleção de Playboys do primo do Cameu; o Proseu levou a foto da Ritinha também, de calcinha e sutiã, no vestiário da escola. A Ritinha (sua foto, melhor dizendo) podia ser dividida entre eles; assim como as fitas de 64 e o chapéu de "aventureiro". A dupla não discutia por muita coisa.

Até um dia que Cameu foi dar uma volta pelo bosque sozinho. Tinha perdido um desenho que ia transformar em tela; caiu no vaso sanitário por acidente. Ele foi direto pro forte, tirar o baú deles do fundo da árvore, dar uma olhada nas modelos antigas, nas cartas de Trunfo da fórmula 1. Achou o bodoque velho - que serviu de explicação pra música do Chico numa aula de Literatura da oitava série - e resolveu catar pedrinhas.

Perto da menor queda d'água ficavam as pedras mais bonitas. Algumas preciosas certamente. Uma verde irritava seus olhos, quase que brincava com a luz do sol. Ele catou essa pequenininha e enfiou no bolso. Mostrou pra Proseu no dia seguinte, que disse que era uma crisólita. O pai dele era geógrafo e tinha um livro com uma foto imensa desse pedra rara. Eles decidiram guardá-la no baú.

Cameu viu Proseu carregando-a um dia no pescoço, por dentro da blusa. Concordou que era mais seguro e que até combinava com o estilo do amigo. Ficou sonhando com a pedra e pediu pra desenhar depois de umas duas semanas. Criou diversas jóias: um anel, um colar e uma tornozeleira; cada uma mais bonita que a outra. Mas a pedra era melhor ainda bruta. Cabia perfeita entre os ossinhos do dedo médio e o fura-olho, como não cabia nos de mais ninguém.

Cameu tinha um ciúme infinito da crisólita, até com Proseu. Tinham decidido partí-la ao meio, mas logo desistiram da idéia. Ela virou o passatempo de um e o talismã de outro. Um queria, outro necessitava. Era de um e pra outro. E eles eram amigos. Amigos como eles não brigam, não entram em questão. Guardam o verde infinito pros sonhos mais íntimos. Decidem que não possuir é melhor pro amor.

...

Torcemos para que Proseu tenha encontrado uma água marinha tempos depois. E Cameu carregue crisólita pura entre seus ossinhos. Amor por amor, melhor não se desfazer da amizade * nem deixar um friozinho na barriga passar.

6 de abril de 2010

Ciência, política e amor

10 de novembro de 2009


A costa leste em um harmônico breu. Outros podem ter optado por uma interpretação mais pessimista daquele BO, mas eu estava bem de calça jeans, pizza e carona. Bem com os que resolveram bem sumir, bem mal fazer às lembranças de um tempo como o melhor. O filme do passado parece mais palpável do que isso que estamos tentando gravar. Esse ensaio de uma complicação interna difusa calçada em birrinhas de amigos eternos.



Vou então me apoiar na memória. De uma terça de Domino's no Humaitá com uma galera meio doida que te faz feliz sem querer. Foi quando tudo apagou e além dos blacberryS multicoloridos sobravam pontos de luzes (nem néon, nem quimicamente instáveis) aguardando pacientemente um novo Big Ben.




O fim do mundo era uma fantasia gostosa de embarcar que correu veloz pela Epitácio Pessoa. Os cinco/quatro sobreviventes tentavam capturar imagens entre o preto e o cinza de uma noite muito quente e sem chuva. Depois nós varamos a noite conversando. Depois estávamos eu e um parceiro comendo besteira num posto de gasolina, esperando o túnel ficar seguro de passar. Dentro do Rebouças eu avistei o outro lado de um espaço psicológico; deu uma vontade infinita de fazer o tempo parar.


05 de abril de 2010

A janela do ônibus pintava umas coisas bonitas de ver. Uma cachoeira translúcida, um pinguço sem camisa no meio da Jardim Botânico nadando contra a lucidez, o braço esquerdo do Cristo borrado. E de fora, agente sabia que dava pra ver um grupo de jovens que transformava a maior enchente dos últimos anos, numa máquina de fazer o tempo passar rápido.



Notícias sobre um carro alagado. Mais tarde o panorama do purgatório do caos. Enfim, a condenação superficial, e nem por isso injusta, de um bando de babacas. Os que nada fazem, os que fazem errado, os que não votam, os que votam errado, os que reclamam e os que ficam calados. A solução persevera no reclamar, votar e fazer, por saber que o nosso Redentor não cruza os braços.


?

A tela que pintei contava uma história de amor. A menina nuinha aos trancos e barrancos; em pingos; no ar, querendo te arrancar a razão. O moço se derretendo, se contorcendo, tentando ficar empezinho. Um vivo pelo outro, pois se tinha chuva e temporal, todas as casas iam correndo acender suas velas.


Numa mistura de percepções eu te enxergava perfeito. Cada detalhe bagunçando a tradução dos meus sentimentos. Olhava pra água correndo no meio-fio e era assim como eu passando irredutível ao nosso redor. Rompiam-se todas as barreiras, se tinha jeito pra tudo.


Uma brisa forte entrou pela janela. Todo mundo percebeu, todo mundo se arrepiou. Quem veio com o vento foi a água, sem pedir licença, tomando tudo. E com a volubilidade que lhe é peculiar criou um balé fantástico ao redor da chama. A vizinhança toda iluminada. Todo mundo brindando a tempestade, de frio e calor, de água e fogo, de amor.