11 de abril de 2010

Cameu , Proseu e a pedra



Proseu e Cameu eram inseparáveis desde meninos. Estudavam juntos, tocavam juntos e aproveitavam o resto da semana juntos também. Como no primeiro sábado do mês, quando acordavam cedinho pra ir explorar o bosque atrás da vila onde Proseu morava.

Lá era uma imensidão. Tinha riacho e cachoeira, lagarto, cobra, limo nas pedras, uns jardins de flores bonitas misturados com umas árvores altas, com casa de marimbondo lá no topo. Tinha vez que eles só tomavam banho de rio. Aos sete anos, quando começaram a fugir pra lá, passavam dias catando gravetos pra construir uma casa da árvore. Nunca conseguiram terminá-la, daí o abrigo ficava sendo uma figueira que tinha bem no meio do caminho.

Quando fizeram nove anos sumiram por uns meses, a grama ficou alta. Depois voltaram com dez trazendo inspirações como a Ilha Perdida e o poster do Dennis. Com doze a diversão era a coleção de Playboys do primo do Cameu; o Proseu levou a foto da Ritinha também, de calcinha e sutiã, no vestiário da escola. A Ritinha (sua foto, melhor dizendo) podia ser dividida entre eles; assim como as fitas de 64 e o chapéu de "aventureiro". A dupla não discutia por muita coisa.

Até um dia que Cameu foi dar uma volta pelo bosque sozinho. Tinha perdido um desenho que ia transformar em tela; caiu no vaso sanitário por acidente. Ele foi direto pro forte, tirar o baú deles do fundo da árvore, dar uma olhada nas modelos antigas, nas cartas de Trunfo da fórmula 1. Achou o bodoque velho - que serviu de explicação pra música do Chico numa aula de Literatura da oitava série - e resolveu catar pedrinhas.

Perto da menor queda d'água ficavam as pedras mais bonitas. Algumas preciosas certamente. Uma verde irritava seus olhos, quase que brincava com a luz do sol. Ele catou essa pequenininha e enfiou no bolso. Mostrou pra Proseu no dia seguinte, que disse que era uma crisólita. O pai dele era geógrafo e tinha um livro com uma foto imensa desse pedra rara. Eles decidiram guardá-la no baú.

Cameu viu Proseu carregando-a um dia no pescoço, por dentro da blusa. Concordou que era mais seguro e que até combinava com o estilo do amigo. Ficou sonhando com a pedra e pediu pra desenhar depois de umas duas semanas. Criou diversas jóias: um anel, um colar e uma tornozeleira; cada uma mais bonita que a outra. Mas a pedra era melhor ainda bruta. Cabia perfeita entre os ossinhos do dedo médio e o fura-olho, como não cabia nos de mais ninguém.

Cameu tinha um ciúme infinito da crisólita, até com Proseu. Tinham decidido partí-la ao meio, mas logo desistiram da idéia. Ela virou o passatempo de um e o talismã de outro. Um queria, outro necessitava. Era de um e pra outro. E eles eram amigos. Amigos como eles não brigam, não entram em questão. Guardam o verde infinito pros sonhos mais íntimos. Decidem que não possuir é melhor pro amor.

...

Torcemos para que Proseu tenha encontrado uma água marinha tempos depois. E Cameu carregue crisólita pura entre seus ossinhos. Amor por amor, melhor não se desfazer da amizade * nem deixar um friozinho na barriga passar.

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