4 de dezembro de 2010

Mantém aquecido


Para quem procura um momento pra Hey Jude e não foi no show do Paul vou lhes dizer com exatidão.


Eu era uma garota saindo de casa sem muito saco de ir até o Centro. Fui dar uma volta pela redondeza. Cuidado redobrado sem a mãe por perto. Dobra duas ruas à direita, encontra duas senhoras e três crianças, uma num carrinho de bebê. Tem algum parque por aqui? Segue em frente que você verá um portão. Em frente e um portão. Tira uma foto e a bateria acaba.


Começa um outro lado. Segue a trilha de neve pisoteada. Olha um homem fotografando com tripé e equipamento. Olha pra onde ele olha. É um novo mundo. Um marco zero. Abaixo de zero está tudo o que é novo, que faz tremer o corpo inteiro. Acima, tudo o que é essencial: família, amigos, a segurança da cidade insegura. Mentira quando falam que é sem graça enxergar tudo branco. Isso aqui é como uma livro pra colorir e eu posso te mostrar as cores que eu enxergo.


Devia ser um campo lindo, com um banquinho pra sentar no meio e uma placa indicando um parquinho e algum monumento histórico. Tem um casal caminhando com dois cães que parecem lobos. Um deles me encara desvendando meus sentimentos, farejando meus estrangeirismos. As senhoras vêm com as crianças e o carrinho atrás de mim. O farejar delas é tão humando quanto as minhas lágrimas. Essa água morre nas marcas da minha luva, enxugando meu rosto. Eu sei qual o significado de achar que entende tudo sem precisar de fato entender.


Aqui é só eu. E o meu Salgueiro Lutador alí na frente. Apresso o passo até ele. Sento no banquinho e da uma vontade de olhar a entrada secreta pra Casa dos Gritos. Lá estou eu desvendando as raízes das árvores. Deixando minha bota afundar na neve até eu poder gravar imagens o suficiente na minha memória. Aí toca Beatles, a música sem momento, que eu escolhi esse pra presentear.


Não tem horizonte, tudo é foggy, nada é claro. Nada nunca foi tão esclarecedor quanto o céu se misturando com uma superfície sem fim. Meu corpo sem temperatura definida. Minha mente é um suspiro de surpresa seguido por alívio recompensador. Não vale a pena pensar em ninguém. Isso que aconteceu nasce segredo entre você e você mesmo. Gostar de alguém já torna tudo colorido. Aqui quem não vê em cor, não deve ter muitos amigos.

Entrou pro ranking de uns acontecimentos inesquecíveis da minha vida.

2 comentários:

  1. Você tá certa. Se eu pudesse encarar de frente o Salgueiro Lutador e de quebra dar um passeio na Casa dos Gritos, isso também seria um dos acontecimentos inesquecíveis da minha vida ;)

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  2. Que momento único!
    Fico feliz que tenha acontecido. E tenho certeza que muitos virão ainda!

    Beijos

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