24 de novembro de 2009

Fausto

Estou exausta. Falta tempo pra trabalhos, ensaios e provas; sobra tempo pra inspiração e paixão.

Este é o início de uma longa história. Acreditem.


...


Grades na varanda do mundo. Um cenário composto de contradições. Nada devia separá-lo do abismo lá de fora. No entanto, ali estava sua foto mais recente revelada em branco e preto. A saída de seu quarto pro horizonte, pro mar lá na frente, pra areia, pra pedra, pra grande pedra.

Fausto era seu nome; indiferente ao apelido de Dado. Nem ele sabia se era Dado ou Fausto, dentro ou fora, da grade. Era médio, todo médio. Por vezes sonhava em ser todo grande, mas lá estava ele pequeninho na imensidão. Covarde do mundo; todo dourado na quarta-feira de cinzas.

Tudo dourado. Ele era folião desde criancinha, mas tinha que devolver um livro na biblioteca. Ainda ia pagar multa de dois e cinqüenta. Mas lá vai... A bibliotecária ia estar lá só pra receber seu livro, no feriado, era pra rezar. Ele só não foi de joelhos porque preferia a lambreta que tinha. Foi voando. Queria que fosse de verdade.

Chegou sete minutos atrasado, com a cara da Dona emburrada. Ela parada na porta, batendo o pé, confabulando o quê que um moleque daquele ia querer com Machado de Assis. Mal sabia ela que ele era dos mais eruditos. O tempo fechou quando ele lhe disse que não tinha trocado e entregou duas notas de dois. Ela batia o pé mais acelerado; deu vontade dele tirar uma foto, ou uma arma e dar um tiro nela.

Sugeriu que ficasse de crédito. Ela disse “você nunca mais aluga livro aqui”. Ele disse “não saio daqui sem meu troco então”. A velha arrancou-lhe o livro da mão. Ele nunca tinha tido uma arma, era contra a violência, mas olhe bem! Ela tirou um livro gordo e velho da bolsa e disse que ele ficasse com aquele de troco. Ponto final.

Ele voltou puto pra casa. Tava deitado na cama olhando a foto, com o livro feio do lado. Mesmo que ele tivesse uma arma não atiraria. E se ele tivesse ferramentas a grade não tiraria. E se ele tivesse na beira certamente não pularia. Ora... Ele pegou o livro.

Descobriu que estava todo rabiscado. Não teve coragem de rasgar. Era um covarde por completo. Sem salvação. Sem a namorada que tinha viajado pra Búzios com os primos. Sem ninguém, com o bloco na rua e o livro feio do lado. Sem saco, começou a ler.

Nenhum comentário:

Postar um comentário