23 de janeiro de 2010

O menos mais óbvio

Há de entender como são um espetáculo único - Quando o moço me disse eu nem sóbrio estava. Nem ele era moço. Nem eu era quem sou.

Sou perceptor de encontro de luzes e são poucos os que nascem com esse privilégio. Soube disso tudo numa conversa de bar com o velho Profeta. Esse era seu nome mesmo. Me contou alucinações das quais eu ria interminavelmente e ele nem se incomodava. Sabia como era essa vida. Ele é como eu.

Nos dias seguintes eu fui percebendo como isso toma conta de mim. Nosso grupo é um segredo e estamos em toda parte do mundo. A parte boa, é que isso que nos segregaciona parece mentira, e ninguém acredita. Por isso vou lhes contar minha história. Pra vocês contarem aos seus filhos, aos seus netos.

Meu batente não tem suor, mas nesses últimos dias o verão não perdoa nem os mais pacatos. Encontrei uns colegas baianos na Lapa semana passada e eles me disseram que depois da divulgação acerca das olimpíadas de 2016, o litoral fluminense tem sido uma zona próspera para a realização de nossa atividade. Depois de dez anos de profissão você entende porque os cariocas são os mais aperfeiçoados perceptores de encontro de luzes.

Aqui no Rio as habilidades para a percepção são exploradas desde de muito cedo. Nós crescemos esperando a gema cozinhar pra entender porque assim somos chamados. Eu me lembro que passava horas olhando pra frigideira, vendo o calor que borra a minha visão, que camufla a sua profundidade. Mais tarde era igualzinho no Arpoador, depois que o sol se punha, o calor era o mesmo e as luzes do Vidigal ficavam igualmente borradas.

Depois eu entendi que as luzes artificias não se encontram. As luzes naturais, que só nós percebemos, sofrem uma transformação física antes da final comunhão. Elas se reparam, ficam borradas, ficam néon, no último estágio acabam se perdendo numa busca afoita uma pela outra, pra enfim se encontrarem. Quando se encontram se tornam uma esfera densa de luz forte, difícil de ficar muito tempo olhando, que nem o sol. Tenho pra mim que é por vergonha dos momentos mais calorosos que vivem então.

E sim, o calor é propício para a comunhão. Assim, nas férias, as fontes mais novinhas saem do ninho em busca dessa experiência. Meus colegas contaram que era muito prazeroso trabalhar observando esse encontro mais cru. Resolvi experimentar e rumei para uma cidadezinha aqui perto. Cheia de fontes. Cheia de gente. A cidade Frio mais cheia de calor.

Pude constatar que nem mesmo crus deixam de ser ardente. Na verdade, cientificamente, como a cidade tem poucas luzes artificiais o encontro é mais nítido. Na verdade, obviamente, como a cidade tem praia, sol e pouca roupa fica mais fácil de se encontrar. Na verdade, intuitivamente, como a cidade tem uma suposta contagem regressiva em si que quer se deixar aproveitar, nada mais evidente do que fazê-lo.

Dois casos peculiares aconteceram no mesmo dia. Dois pontos de luz carmim em sintonia diferente, mas que estavam sempre juntas. Ao encontro de dois pontos de luz azúli em quase mesma sintonia, que nem muito se viam. Eram, em suas respectivas cores, da mesma região. E embalados por dó, ré, mi e fá se encantaram uns pelos outros. Azúli por Carmim, Carmim por Azúli.

O que há de bem peculiar é que, mesmo com toda a coincidência e diferença nítida entre Carmim e Carmim, e Azúli e Azúli, em comunhão eram como um. E o processo biofísico foi acelerado e modificado. Assim, depois do reconhecimento químico, os pontos ficaram logo borrados, muito tempo no estágio néon (já em perfeita ligação), novamente muito tempo perdidos querendo se encontrar, pra experiência ter sucesso. Ficou muito difícil observar depois da comunhão.

Trabalho cumprido. Eu fiz as malas. Pois vocês acreditam que depois da comunhão as fontes, todas quatro, voltaram para sua região em tempos diferentes? Eu esqueci de dizer que o encontro é uma tarefa que pode ser desfeita. Desfazendo uma das mais trabalhosas e maravilhosas realizações.

Dizem uns amigos meus que um mesmo encontro pode acontecer mais de uma vez, ou até mais vezes. E que é bem bonito. Mas eu tenho pouca experiência nessa área. Como adoro o que faço, gosto de pensar que cada encontro é único e verdadeiro. Repito o que gosto de ler no blog dessa grande amiga, no qual agora posto essa passagem: os maiores sentimentos têm que durar bem pouco para serem eternos.


Aqui escreve um amigo, que já te observou.

2 comentários:

  1. Você é supreendente. Você faz das letras notas músicas, assim textos se transmormam em lindas músicas.
    Você consegui transmitir informações que (no caso do ultimo texto) nem alguns físico conhecem. Tenho a absoluta certeza que, contínuando assim, se tornará uma exelente profissional (jornalista).
    PS.: enfatizei a palavra você no início, pois este singelo elogio é para VOCÊ!!!!!

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  2. Você é sensacional, amiga.
    Não preciso dizer mais nada, né? Está mais do que claro =)
    Te amo muito

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